Valdisnei é um menino do interior do Ceará que viaja na maionese quando escuta as histórias de seu coleguinha de brincadeiras de rua que possui uma TV Telefunk 12 cores. Só que esse menino não o deixa assistir televisão nas sessões de escambo (momento em que ele aceita coisas legais como pirulitos Zorro para deixar os outros moleques entrarem em sua casa), pois não gosta do poder que o menino tem de se desligar da realidade (já que o boyzinho geralmente acaba machucado). Numa cidade ali perto, fugindo da chegada da televisão, Francisgleydisson e sua família estão procurando um lugar onde possam montar seu cinema sem temer o grande adversário. Tenho quase certeza que o cinema de Salgueiro acabou bem antes de eu nascer, mas lembrei muito de mim e da minha infância sertaneja vendo esse filme.
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Uiaaaaaaáááááááá! |
O filme é madeira de dar em doido. Primeiro que é legendado em português, pois muita gente não vai entender o cearenses que é falado na película. Eu nem tive tantas dificuldades, pois Salgueiro tem muito intercâmbio com o Ceará e as bandas do Crato (muita gente vai toda noite pra lá estudar), então já tive contato com a língua. Lá você vai escutar palavras como xispiliquite (she is pretty cute - traduzida pelo diretor) e joiado, ou frases da envergadura de "ela já deu tanto que tá só o oco".
Segundo, que apesar de falar de forma humorada sobre a melancolia do fim dos cinemas do interior lá pelos idos da década de 70 (na palavras do diretor), fala de filme de briga. Filme de porrada. Filme de luta. Filme de karatê! Valdisnei acerta um chute na pleura de seu colega abastado em um de seus momentos de devaneio. Lá em Salgueiro a gente sempre procurou acertar o quengo dos outros. Pelo que pesquei no filme, a pleura fica na região acima dos ovos e abaixo da caixa dos peitos, isso frontalmente. Qualquer lugar ali que você bater com força suficiente para machucar e causar dor é pleura. O quengo fica do pescoço pra cima, girando 360°. Na área do quengo tem o comedor de lavagem e a fonte (golpes na fonte geralmente eram evitados devido a alta letalidade dos mesmos).
Quando era criança, um dia depois do Força Total ou da Sessão Kickboxer na Band, o cancão truava nas lutas da escola e nas ruas. E aquilo era tipo um droga que você sempre quer ir mais fundo. Eu não consegui largar, e já na adolescência alugava filmes como A Lenda de Fong Sayuk 3 e Zheng o Bárbaro. Um dia falando desses filmes com Ferraz, o pai de um amigo meu, ele contou que todo mundo saia doido do cinema em Salgueiro, depois de ver os filmes de Bruce Lee ou qualquer outro de luta. Muita gente machucava as mãos tentando quebrar pedaço de tábua no caminho das artes marciais.
Terceiro que tem Falcão no elenco.
Divaguei tanto que nem falei do filme... A história é aquela do primeiro parágrafo. Adicione isso ao cearenses e a vários personagens estereotipados nas figuras do interior do nordeste (todos baseados em fatos reais, claro: o bêbado, o apostador, os viciados em futebol, o velhaco, o político mentiroso, o cego, o chato, o gay, etc) e você tem uma ótima comédia com um ritmo melhor ainda. Halder Gomes conseguiu fazer uma ótima comédia que não tem a mínima cara de seriado ou especial da Globo. Ah, tem uma trilha sonora massa e esquetes deslocadas que dão um charme especial ao filme!
Fui ver no Cinema da Fundação e de quebra o diretor estava lá e participei de uma conversa com ele durante alguns minutos. Aguardem que vai entrar nos cinemas de capital também.
Rodolfo Nícolas chuta na pleura com os dois pés.